quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Gripes da bicharada!Oh não!

“Reflectir, como bem sabe quem me lê habitualmente, não é o meu forte. Também não será o forte de quem me lê habitualmente, caso contrário não o faria. Cogito moderadamente bem, raciocinio sofrivelmente, mas sou fraco a reflectir – e o caso exige reflexão. Por sorte, o facto de não saber fazer qualquer coisa nunca me impediu de tentar.”


Ao contrário do que ele próprio diz, ainda bem que existe alguém que consegue pensar, para além daquilo que é bombardeado nas notícias. :)


“Gripe: diga A


Mais vasta e perniciosa do que a pandemia de gripe A, talvez só a pandemia de informações sobre a gripe A. Julgo que Esopo escreveu a fábula «Pedro e o Lobo» apenas porque, na Antiguidade, não havia jornais. Se houvesse, estou certo de que teria optado por escrever a fábula «O jornalista e a pandemia».

Que me lembre, esta é a terceira pandemia que o mundo enfrenta com sucesso no espaço de dez anos.


Primeiro, a doença das vacas loucas ia dizimar dois terços da humanidade, e a imprensa publicou artigos que ensinavam a distinguir um bife infectado de um bife escorreito, entrevistas a cientistas, criadores de gado e homens do talho...


Depois, a gripe das aves ia matar mais do que a peste negra. Vários pombos faleceram e algumas gaivotas ficaram estropiadas para sempre, mas a pandemia acabou por nunca se verificar.


Nete momento, vivemos a pandemia suína. Já foi dito que a gripe A é menos perigosa e letal do que a gripe vulgar, mas até agora isso não impediu nenhum jornalista de ir para a porta do hospital contar toda a gente que entra nas urgências a espirrar... Todos os estágios da gripe A terão de ser relatados, e portanto... Será necessário informar que os 73 casos registados no distrito de Setúbal já estão a canja de galinha, ao passo que os 92 casos do distrito de Beja ainda se assoam com uma regularidade apreciável (12 vezes por hora).


É...urgente encontrar melhores nomes para elas. Vacas loucas, gripe das aves e gripe dos porcos, por muito que sejam depois rebaptizadas mais dignamente com as aborrecidas (e, logo, mais honradas) designações BSE, H5N1, H1N1, têm problemas de credibilidade inultrapassáveis. É dificl temer doenças que atacam a bicharada com resfriados e loucura. Qualquer dia aparece o pé de atleta dos texugos, ou o herpes labial da mosca, esses sim verdadeiramente mortíferos e pandémicos – e ninguém acredita.


Acaba por ser inquietante registar que os animais andam, pelos vistos, a conspirar para gerar pandemias... Felizmente, até agora, a bicharada tem evidenciado menos talento para dizimar do que para vender jornais.”


Ricardo Araújo Pereira in “Novas crónicas da boca do inferno



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