domingo, 16 de fevereiro de 2014


"Hoje, é um bom dia. Olhamos em redor, como cegos que readquiriram a vista, e olhamos uns para os outros. Nunca nos tínhamos visto ao sol: alguém sorri. Se não fosse a fome!
Pois a natureza humana é feita de tal forma, que os sofrimentos e as dores que acontecem ao mesmo tempo não se somam inteiramente na nossa sensibilidade, mas escondem-se, os menores atrás dos maiores, segundo uma lei prospectiva definida. Isto é providencial e permite-nos viver no campo. E é esta também a razão pela qual tantas vezes, na vida livre, se ouve dizer que o homem é insaciável: pelo contrário, mais do que de uma incapacidade humana para um estado de bem-estar absoluto, trata-se de um conhecimento sempre insuficiente da natureza complexa do estado de infelicidade, pelo que às suas causas, que são múltiplas e hierarquicamente dispostas, se dá um único nome: o da causa maior; até que esta venha eventualmente a faltar, e então fica-se dolorosamente surpreendido ao ver que atrás dela existe outra; e na realidade, uma série de outras. Por isso, logo que o frio, que durante todo o Inverno nos parecera o único inimigo, cessou, apercebemo-nos de que tínhamos fome: e, repetindo o mesmo erro, assim hoje dizemos: «Se não fosse a fome!...»
Mas como se poderia pensar em não ter fome? O Lager é fome, nós próprios somos fome, fome viva."

em "Se isto é um homem" de Primo Levi








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